terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

" PRA ONDE VAI O DINHEIRO DE NOSSAS PASSAGENS? "

" PRA ONDE VAI O DINHEIRO DE NOSSAS PASSAGENS? "

Movimento Não Pago rebate as informações do Presidente do SETRANSP

Universo Político.com - Todo ano ocorrem discussões próximo ao período do anúncio do reajuste da tarifa. Como o senhor, em nome das empresas de transporte urbano justifica para a sociedade a necessidade desse reajuste anual, mesmo com o transporte precisando de melhorias?
Adierson Monteiro - Nós operamos um serviço público e esse serviço tem que ser pago. E a única forma de pagá-lo é pela tarifa. A metodologia para os cálculos dessa tarifa foram aprovados pela Câmara Municipal há quase 20 anos. O que se lamenta é que só se pensa no transporte público na época de reajuste. Tem é que se verificar quais insumos que impactam no custo da tarifa, e que precisam ser revistos com a redução da carga tributária. Também tem outra questão: a gratuidade. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Setransp (Sindicato das Empresas de Transportes e Passageiros de Aracaju), 25 % das pessoas que utilizam o transporte público não paga. Gratuidade para uns, esse preço vai para outros. Então a sociedade tem que conhecer porque entidade A ou B não paga, e autorizar. A prefeitura inclusive já autorizou a Setransp a realizar esse estudo. E só utilizarão a gratuidade as entidades que tem o amparo da lei para esse caso. E será utilizado um cartão magnético para que possamos saber a quantidade que há dessas pessoas.
Movimento Não Pago
Em primeiro lugar o serviço de transporte coletivo é um direito essencial do povo brasileiro que deve ser gerido pelo Poder Público ou através de concessão. Para haver concessão é necessário realizar uma licitação. Isso nunca aconteceu em Aracaju. Em segundo lugar nós já pagamos pelo serviço com os nossos impostos. Além disso, a forma como se reajusta a tarifa está errada. Deveria ser aprovada ou não na Câmara de Vereadores como preconiza a Lei Orgânica de Aracaju. Quanto às gratuidades, todas são previstas por lei e com orçamento já garantido então esse argumento dos empresários não é válido. 

UP - As empresas pedem um reajuste de 16,67%, no caso, de R$ 2,10 a tarifa passaria para R$ 2,45. Já se comenta sobre a possibilidade de a tarifa ficar em R$ 2,30. Um reajuste inferior ao proposto resultaria em prejuízo para as empresas?
A.M. - Quando se calcula um valor abaixo do necessário, alguma coisa fica faltando. No Brasil a maioria das capitais não tem o transporte com a qualidade ideal, porque nessas capitais não tem se praticado a tarifa justa. Nós encaminhamos a proposta para a prefeitura e já propomos levar esses cálculos para serem discutidos na Câmara Municipal e junto à sociedade, porque é preciso que saibam como são feitos os cálculos. Inclusive, a Câmara Federal elaborou uma cartilha, há dois anos, para os prefeitos, orientando que nos projetos da cidade seja dado prioridade ao transporte público.
Movimento Não Pago
Quem recolhe os dados que constam nas planilhas? Os funcionários das empresas. Quem faz auditoria para confirmar que não estão viciadas? Ninguém. Logo, as planilhas de custos das empresas não devem ser utilizadas nesse momento como ponto crucial para se reajustar a tarifa. Outra coisa: o transporte não tem qualidade porque o transporte coletivo é encarado como mero produto e não como direito essencial.
 

UP - O que o empresariado sugere como solução para equilibrar a compensação da empresa, que precisa receber de acordo com o serviço prestado, e o pagamento de uma tarifa viável para o trabalhador?
A.M. - Em todo serviço público se paga uma tarifa. Energia, água, telefone. Lamentavelmente só no Brasil e no terceiro mundo 100% do custo do serviço público é pago na tarifa. Em países da Europa, no Canadá, Alemanha e em outros não é assim, porque existe subsídio, já que é um serviço essencial. O que está se buscando no Congresso Nacional é desonerar o custo do serviço. Ora, não é um serviço essencial? Mais de 100 milhões de pessoas utilizam diariamente esse serviço no Brasil, então não é justo que a tarifa de um serviço público essencial tenha uma carga tributária de um produto de luxo. Então se busca desonerar o custo do transporte. O Congresso, depois de muitos anos, já deu o primeiro passo. E, inclusive, é importante destacar que quem coordenou a frente parlamentar para um transporte de qualidade foi o atual vice-governador Jackson Barreto. A Câmara Federal aprovou uma nova regulamentação destinada a tributos sobre a tarifa e falta agora ser aprovada no Senado Federal.
Movimento Não Pago
 Essa lógica empresarial é muito cômoda. Em nome do povo solicitam benefícios para eles próprios. Ora, se já pagamos os impostos porque devemos ainda pagar uma tarifa? Porque existem empresas privadas. E se elas não explorarem mais o sistema? Sobra a prefeitura (que pela Constituição deveria gerir o sistema) para poder controlar o transporte e, quem sabe, acabar com a tarifa. Isso já aconteceu em São Paulo na década de 80 e em várias cidades do mundo.

UP - O prefeito de Aracaju já deu uma previsão de quando será o anúncio do reajuste e se ele vai atender a proposta dos empresários?
A.M. - Não. Estamos aguardando o contato da SMTT, para mais um ano discutirmos o valor da tarifa.

 UP - Para o senhor, o que falta em Aracaju para que o transporte público seja um serviço de melhor qualidade?
A.M. - Falta investimento público. Por exemplo, Aracaju está perdendo uma grande oportunidade de ser sede da próxima Copa do Mundo. Se estivéssemos entre as capitais escolhidas, receberíamos vultosos recursos para novas vias, por exemplo. Mas, infelizmente, não conseguimos nem ser subsede. Hoje um ônibus leva mais ou menos 1h10 ou 1h15 para se deslocar do Augusto Franco para o Bugio. Em uma cidade pequena como a nossa isso é inaceitável. Então não se pode falar em qualidade do transporte e em mobilidade urbana se o ônibus não tem espaço público para ele. É falácia, é demagogia, reclamar sem apresentar as soluções. Não estamos dizendo que a culpa é do político A, B ou C, estamos querendo é discutir a qualidade de um serviço público que não é levado a sério por muitos. Só é lembrado em época de reajuste de tarifa. E ainda é colocado como se fosse o único problema que existe. Não se dá pra fazer do transporte o oásis da sociedade.
Movimento Não Pago
Como visto os empresários de transporte não pretendem abrir mão de seus lucros e reduzir o preço do transporte. Se for necessário, abrem mão inclusive de despesas com capital fixo (manutenção dos veículos, principalmente) para mantê-los em patamares que considerem aceitáveis – daí a degradação dos ônibus ou a redução de frota, etc. Devido à falta de manutenção adequada, os ônibus quebram com mais freqüência, o reduzido número de veículos em circulação determina maiores intervalos entre dois horários da mesma linha... São problemas que afetam diretamente os usuários do transporte coletivo urbano: passam a atrasar-se com freqüência, perdem compromissos, irritam-se. Enfim, para que o transporte tenha qualidade é preciso pensá-lo numa perspectiva anticapitalista e municipalizar o transporte.

UP - Mas, de certa forma, quando são liberadas novas frotas de ônibus é dada uma mídia para a administração pública vigente. Isso, então, não convém, tendo em vista que os gestores públicos não investem em uma melhor estrutura para o serviço do transporte, como o senhor afirma?
A.M. - Veja, para muitos somos os tubarões, que querem arrancar os fígados dos passageiros. E enquanto isso, o político pousa de bom moço: aquele que não permite que satanás devore a presa. Mas a realidade não é essa. Estamos em um país que dos quatros serviços essenciais - saúde, segurança, transporte e educação - três são ofertados pelo Estado. A saúde, a segurança e a educação. É o Estado que regula, que orienta, estabelece um orçamento, mas mesmo assim vivemos um caos. O transporte é o único serviço público que o Estado transfere a responsabilidade da operação para as empresas privadas, isso há mais de 100 anos. É uma concessão pública, como a telecomunicação, companhia de energia, e outras. Agora, como seria se o transporte público fosse de responsabilidade única do Estado? Nós já vimos não só aqui, em Aracaju, mais em muitas cidades do Brasil, um mês sem aula nas escolas públicas, um mês os postos de saúde fechados, um mês a polícia civil em greve, mas nunca vimos a cidade um mês sem transporte público. Porque temos compromisso social e responsabilidade. Às vezes falta isso ao homem público. É muito fácil transferir o ônus do transporte para o empresariado.
Movimento Não Pago
Os empresários e o Poder Público tem parcelas de culpa no caos do transporte coletivo. Agora, dizer que se a administração pública tomar conta do transporte ficará pior é, no mínimo, arrogância e presunção. Ora, experiência de municipalização (que está na Constituição Federal) já ocorreram em outras cidades e tudo funcionou bem. O transporte de Aracaju não pára porque as empresas não querem ficar em lucrar. Mas, digamos que não seja mais lucrativo operar no transporte. As empresas podem simplesmente fechar as portas. Então teremos o caos.

UP- Provavelmente os empresários observam que na discussão sobre reajuste de um lado está a população e os sindicatos reclamando do reajuste, e do outro pode ser visto na imprensa declarações do tipo "não tenho compromisso com os empresários... meu relógio não funciona pelo deles", como disse o prefeito Edvaldo Nogueira. Os empresários se sentem perseguidos com tudo isso?
A.M. - O que se estranha por parte de alguns políticos é que nós estamos indo para a imprensa debater sobre transporte público. Em momento algum nos vemos como cordeirinhos. Sabemos que temos falhas. E nem também dizemos que a culpa é do político A ou B. Mas mostramos que o que falta é política pública para o transporte. Agora, embora louvemos o fato de algumas centrais sindicais estarem nesse momento lutando pelo serviço público, estranhamos o fato de os outros serviços estarem esquecidos, como se o caos só estivesse no transporte. Todos os serviços públicos não estão bem. Mas ninguém fala em manifestação ou passeata para cobrar melhorias na educação, na saúde ou na segurança. Ou esses serviços estão excelentes, e eu não consigo enxergar isso, ou tem alguma coisa errada.
Movimento Não Pago
Na verdade existem passeatas e protestos por melhorias na saúde e na educação. Basta assistir TV ou ler jornal. Os empresários são cúmplices do Poder Público porque investem vultosos recursos em suas campanhas e depois cobram de volta por meio de aumento da tarifa e isenção fiscal. Esse estranhamento entre prefeito e empresários é apenas jogo de cena. Sabemos muito bem que ambos são culpados pelo sistema de transporte ser falho. As empresas porque transformam um direito em mercadoria e o Poder Público porque se omite.

UP- Uma questão muito levantada nos debates políticos é a licitação do transporte. Quem está no poder sempre é criticado porque não fez a licitação. O que o empresariado acha da licitação do transporte? Qual a vantagem para a sociedade do transporte licitado? E porque em Aracaju ainda não aconteceu?
A.M. - Muitos colocam a licitação como a salvadora da pátria. Dizer que a licitação é a salvação para o transporte, isso vindo da população, que não conhece como funciona, é tolerável, mas vindo de um político é falácia. Na prática, licitação é cumprir um dever legal. Todo serviço público que é regulado pela iniciativa privada tem que ser licitado. Nós não sabemos quando isso será feito no Município. Mas é um engodo ver político dizer que a licitação é a solução. A licitação é um papel assinado, do poder concedente entre a prefeitura e o empresário. No Brasil, o único instrumento legal que garante ao investidor o retorno do investimento é a concessão pública. As empresas de telefonia investiram bilhões no Brasil primeiro porque tinha um mercado consumidor potencial e segundo porque tinha um contrato com a união que determina que quem quer que seja o presidente da República tem que cumprir aquela legislação. Então achar que a licitação é uma faca no pescoço do empresariado ou é mal informado ou estão jogando para galera. Curitiba é um exemplo claro. Há mais de 50 anos se planejou o transporte de Curitiba, e quem conhece a cidade sabe que lá foi dado prioridade ao transporte público. Mas somente no ano passado é que licitaram o transporte em Curitiba. Então se essa falácia de que licitação é a salvadora fosse verdadeira, Curitiba não era o que é hoje. Curitiba tem corredores para ônibus, tem faixas chamadas ‘onda verde' no semáforo para o transporte.
Movimento Não Pago
A licitação não salva a pátria, mas vai sim na jugular das empresas. Do contrário, o SETRANSP não entraria na justiça contra o processo de licitação iniciado na gestão de Marcelo Déda. A licitação é, como disse Adierson, um dever legal que a mais de 20 anos não é cumprido em Aracaju. Na licitação os critérios apontados são: menor tarifa e maior qualidade dos ônibus. Simples. Se ocorrer licitação muitas empresas perderão seu feudo.

UP- Então, para o senhor, em Aracaju não é preciso licitar o transporte agora, pode se fazer apenas o mesmo que em Curitiba: melhorar a estrutura para o transporte primeiro?
A.M. - Olha, para realizar a licitação tem que primeiro se ter um projeto. Se você licitar o transporte em Aracaju, você vai desintegrar São Cristovão, Socorro e Barra dos Coqueiros. Então se teria um prejuízo muito grande para sociedade. Um estudante da USF, que fica em São Cristóvão, por exemplo, teria que pagar uma tarifa do bairro para Centro e outra do Centro para a UFS. Tecnicamente a solução é licitar a Grande Aracaju. E para isso é preciso além do projeto, ter vias que liguem essas cidades, nessas vias tem que separar partes dessas vias para o ônibus, depois tem que criar um projeto apresentando para as Câmaras e para Assembleia uma tarifa para esse novo sistema. Então é todo um processo. É muito fácil falar. É fácil fazer como muitos políticos que vão para a tribuna e ficam jogando para a galera, dando a entender que o prefeito não fez a licitação porque está no bolso do empresário. Nós brasileiros temos é que banir da vida política esses políticos que agem dessa forma. O contrato de licitação não vai alterar carga tributária, não cria vias exclusivas.
Movimento Não Pago
Mas o contrato da licitação abre espaço para novas empresas que apresentam menor tarifa e mais qualidade. Entendemos que a licitação é uma forma de democratizar o transporte ainda pensando num modo empresarial. O sistema de transporte é dominado por uma quantidade de empresas que formam cartéis, são inadimplentes com o Poder Público e pensam apenas no lucro. Se o prefeito quiser de fato acabar com o “problema do transporte coletivo” ele tem que expropriar todas as empresas sem indenização e passar a administração do sistema de transportes com um conselho composto por trabalhadores/as rodoviári@s e usuári_s de ônibus. Qualquer outra solução é falsa, e só fará empurrar o problema com a barriga para que outro prefeito o resolva; enquanto a própria população não tiver total controle sobre os transportes, será inviável um transporte verdadeiramente democrático.

UP - O que vai melhorar com a licitação?
A.M. - Na prática nada. Para melhorar tem que se pegar o exemplo de Curitiba: investimentos viários a médio/ longo prazo, reduzindo a carga tributária. Outro ponto que interfere na planilha do reajuste é o combustível. Não é aceitável que o preço do óleo diesel que é utilizado pelo transporte público seja o mesmo do utilizado pelo cidadão que usa em seu carro de luxo. Então não está se dando prioridade ao transporte público que é tão essencial. A alíquota de ICMS que incide sobre o preço do óleo diesel para o transporte público é a mesma que incide para o cidadão. 25% do preço do diesel é de ICMS. E não é a concessão do Estado que fará o ICMS ser retirado. Então é preciso sentar à mesa para se verificar o que é preciso para melhorar a mobilidade do transporte e reduzir o seu custo.
Movimento Não Pago
O empresariado de transportes, da indústria de construção de veículos, burocratas estatais, profissionais ligados a empreiteiras e à conservação dos transportes e a cúpula dos sindicatos se organizam nacionalmente no Movimento pela Democratização dos Transportes - MDT. Este movimento surge como força de pressão organizada dos empresários de transporte a nível nacional para conquistar e manter privilégios para si “em nome do povo” – como, por exemplo, a redução de tributos (COFINS, ISS, etc.) e a injeção de recursos públicos (vindos do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE) no sistema de transporte. A presença de entidades sindicais no MDT não engana ninguém; são fantoches, espantalhos, “biscuit” que, por mais que tentem colocar pautas voltadas para os interesses da população, pouco ultrapassam o limite corporativista de fazer entrar mais dinheiro no sistema para conquistar aumentos salariais. Só quem está submetido diariamente à rotina torturante dos transportes coletivos urbanos nas grandes cidades sabe o que deve ser alterado no sistema, e sem sua influência qualquer mudança será meramente superficial; qualquer alteração no sistema de transportes que não se faça por conquista popular, através da ação direta, está fadada a ser um reajuste de termos dentro do próprio sistema de transportes da sociedade capitalista. As experiências locais de luta por um transporte de melhor qualidade e menor preço (ou até a preço nenhum) precisam ser intercambiadas, para que as melhorias nos transportes sejam uma conquista popular, consciente, organizada e revolucionária, e não uma concessão das elites sobre a qual o povo terá pouca ou nenhuma influência.

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